Tese - Gustavo da Rosa Leal

Ecologia de Pterodroma arminjoniana: morfologia, alimentação e uso de habitat

Autor: Gustavo da Rosa Leal (Currículo Lattes)

Resumo

As variações nas condições ambientais alteram a produtividade nos oceanos, que reflete na disponibilidade de presas, e influencia diretamente e indiretamente o comportamento de organismos predadores. As aves marinhas tropicais precisam encontrar alimento suficiente para suprir suas demandas energéticas em um ambiente oligotrófico, onde a disponibilidade de presas é esparsa e pouco previsível. Além disso, as diferenças nos requerimentos energéticos de machos e fêmeas, adultos e filhotes e entre diferentes fases do período reprodutivo e não reprodutivo, podem resultar em diferenças na dieta e nas áreas utilizadas pelas aves marinhas. O petrel-de-trindade, Pterodroma arminjoniana, reproduz-se ao longo do ano na Ilha da Trindade, sua maior colônia, local com clima tropical e inserido na região oligotrófica do Giro Subtropical do Atlântico Sul. Após a reprodução, os petréis realizam migração trans-equatorial e utilizam o Giro Subtropical do Atlântico Norte, também oligotrófico, como área de invernagem. No presente estudo, investigou-se a morfologia, a alimentação e o uso de habitat de P. arminjoniana que se reproduzem na Ilha da Trindade. Dados morfológicos foram usados para avaliar a influência das características morfométricas e de coloração de plumagem na formação de casais e para determinar o grau de dimorfismo sexual de tamanho. Para investigar a ecologia trófica, dados de conteúdo estomacal e análise de isótopos estáveis foram utilizados. Por fim, dados de rastreamento com geolocalizador e dados oceanográficos foram utilizados para identificar as áreas no mar e as condições ambientais utilizadas. A consistência intra-par na coloração da plumagem foi demonstrada, apesar dos pares não terem nenhuma de suas medidas biométricas correlacionadas. Isso indica a preferência dos petréis-de-trindade em se reproduzirem com parceiros do mesmo morfo e fornece indícios de como a variação na coloração é mantida na população. Foi detectado ainda dimorfismo sexual de tamanho em medidas do bico, maiores nos machos, o que parece estar associado à atividade de defesa do ninho. Em relação à ecologia trófica, os petréis consumiram principalmente lulas e peixes e a análise de isótopos estáveis revelou que as lulas são o principal recurso ao longo de toda a reprodução. Durante as viagens de alimentação, atingiram até 3335 km de distância da ilha, em viagens com até 18 dias de duração. Não foram encontradas diferenças na distribuição e nos valores de isótopos estáveis dos anos 2006/2007 vs. 2014/2015, aparentemente em razão da estabilidade do ambiente tropical. No entanto, os nichos isotópicos foram diferentes entre as estações do ano, ao que parece resultado da sutil variação sazonal nas condições ambientais do Oceano Atlântico Sul. Além disso, os petréis utilizaram diferentes áreas e consumiram diferentes presas ao longo do período reprodutivo. Durante a pré-incubação consumiram presas de níveis tróficos mais baixos e usaram uma ampla área a oeste da Ilha da Trindade. Petréis que estavam incubando consumiram presas de níveis tróficos altos, através de viagens de alimentação mais longas para áreas ao sul, alcançando inclusive a Zona de Convergência Subtropical. No período de desenvolvimento dos filhotes, no entanto, apesar do nicho isotópico semelhante ao período pré-incubatório, os petréis buscaram alimento mais próximo à ilha em viagens mais curtas. Isso demonstra que para lidar com a alta demanda do período reprodutivo em uma colônia rodeada de águas oligotróficas, os petréis precisam explorar extensas áreas e consumir uma dieta variada, ajustando o seu nicho trófico de acordo com o estágio reprodutivo. Além disso, os petréis foram individualmente consistentes nas áreas utilizadas, mas não no uso de recursos alimentares em anos consecutivos. Após a reprodução, três padrões migratórios foram identificados: petréis deslocaram-se logo após o final da reprodução para uma área a leste de Trindade; deslocaram-se para essa mesma área e em seguida para uma área no Atlântico tropical ocidental; ou viajaram direto para a área de invernagem no Oceano Atlântico Norte. Embora o comportamento migratório possa mudar, os indivíduos mantiveram a área e o uso dos recursos alimentares durante a invernagem em anos consecutivos. Assim, apesar do petrel-de-trindade ser individualmente consistente nas áreas e nos recursos alimentares utilizados, as demandas e as limitações impostas pela atividade reprodutiva tornam o petrel mais suscetível às variações ambientais, obrigando-o a mudar os recursos alimentares utilizados em anos consecutivos. Mesmo usando diferentes áreas ao longo do seu ciclo anual, os petréis exploraram em todas as fases, águas quentes, pelágicas e mesotróficas. A limitada variação das condições ambientais, apesar das mudanças nas demandas ao longo do ciclo, mesmo em áreas com diferentes feições topográficas e correntes, sugere que os petréis buscam por condições similares. Assim, mesmo com a sua distribuição associada a giros oceânicos conhecidos por serem oligotróficos, os petréis-de-trindade exploram águas mesotróficas buscando as bordas e evitando o centro dessas áreas oligotróficas.

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Palavras-chave: OceanografiaPetrel-de-TrindadeDimorfismo sexualEcologia tróficaIsótopos estáveisAves marinhas