Science, 09 Apr 2021:
Vol. 372, Issue 6538, pp. 138
DOI: 10.1126/science.abh0279
Traduzido pelos autores do original
Evite o arrasto de fundo nas águas costeiras do sul do Brasil
Luís Gustavo Cardoso, Manuel Haimovici, Patrízia Raggi Abdallah, Eduardo Resende Secchi, Paul Gerhard Kinas
Universidade Federal do Rio Grande - FURG
O arrasto de fundo, um método de pesca em que as redes mobilizam o fundo do oceano, leva à morte de cerca de 4,2 milhões de toneladas/ano de espécies não-alvo em todo o mundo (1), diminui a receita das pescarias ao interromper o crescimento de peixes juvenis (2, 3), ameaça os ecossistemas oceânicos do planeta (4) e aumenta as emissões aquosas de CO2 ao perturbar o fundo marinho (5). As águas rasas costeiras do Estado do Rio Grande do Sul (RS), no sul do Brasil, um hotspot ecológico para a alimentação e desova de peixes e para a alimentação, reprodução e cria de componentes da megafauna, vêm sendo degradadas devido à pesca excessiva. Para proteger e reconstruir sua antiga produtividade pesqueira, as evidências científicas devem ter prioridade ante os interesses imediatos da indústria, e o arrasto de fundo não deveria ser permitido neste ecossistema.
A sobrepesca extrema (6, 7) e a ineficiência crônica da gestão pesqueira federal levaram os pescadores locais do RS a liderar a aprovação de uma Lei contendo a Política Estadual de Pesca Sustentável (Lei Estadual do RS 15.223 / 2018), que proibiu o arrasto de fundo por barcos motorizados até 12 milhas náuticas ao longo dos 570 km de costa marítima do estado. Décadas de evidências científicas mostraram que a proibição resultaria em benefícios como o uso sustentável do ecossistema e a garantia de continuidade das receitas para a pesca industrial e de pequena escala na região (6–8). Pelas mesmas razões, proibições de pesca de arrasto foram estabelecidas em outros países (9). No entanto, a Lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal do Brasil em 2019, depois que o setor pesqueiro industrial do Estado vizinho, Santa Catarina, alegou prejuízos econômicos. Num primeiro momento, o ministro decano da Corte manteve a lei (10), mas em dezembro de 2020 seu sucessor a suspendeu liminarmente (11).
O manejo eficiente e eficaz da pesca é essencial para a segurança alimentar de mais de um milhão de pessoas para quem a pesca é um meio de vida e principal fonte de renda (12) ao longo de 8.000 km da costa brasileira. A decisão do novo ministro gerou incertezas quanto ao direito do estado de legislar sobre o assunto, o que pode significar um enorme retrocesso na restauração ecológica e pesqueira. Por isso, instamos o Supremo Tribunal Federal a reconhecer formalmente os direitos dos estados brasileiros de legislar em suas águas costeiras. Só assim os pescadores do RS e de outros estados serão capazes de escolher um caminho sustentável para o futuro de suas atividades.
REFERÊNCIAS
- M. A. P. Roda et al., “A third assessment of global marine fisheries discards”, Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO Fisheries and Aquaculture Technical Paper, 633, 2019).
- A. Jensen, R. Reider, W. Kovalak, N. Am. J. Fish. Manag. 8, 191 (1988).
- U. R. Sumaila, Game Theory and Fisheries (Routledge, London, 2013).
- J. G. Hiddink et al., Proc. Natl. Acad. Sci. 114, 8301 (2017).
5.E. Sala et al., Nature 10.1038/s41586-021-03371-z (2021).
M. Haimovici, L. G. Cardoso, Mar. Biol. Res. 13, 135 (2017).
- L. G. Cardoso, M. Haimovici, P. R. Abdallah, L. F. C. Dumont, “Efeitos para o setor pesqueiro do deslocamento do arrasto de fundo para além da 12 milhas náuticas na costa do Rio Grande do Sul” (Tech. Rep. 1, BRA-0142- 2017, Universidade Federal do Rio Grande, 2018); https://demersais.furg.br/images/producao/Cardoso_et_al_2018_Relatorio_deslocamento_arrasto_de_fundo_12_mn_final.pdf [in Portuguese].
- Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/Ministério do Meio Ambiente, “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção,” VI – Peixes (ed. 1, Brasília, 2018) [in Portuguese].
- T. L. Loh, Z. Jaafar, Aquatic Conserv. Mar. Freshw. Ecosyst. 25, 581 (2015).
- C. Mello, “Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 6.218 Rio Grande do Sul” (2019); www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6218cautelar.pdf [in Portuguese].
- N. Marques, “Ag. Reg. na medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 6.218 Rio Grande do Sul” (2020); www.conjur.com.br/dl/nunes-marques-autoriza-pesca-arrasto.pdf [in Portuguese].
- J. Dias Neto, “O uso da biodiversidade aquática no Brasil: uma avaliação com foco na pesca” (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, Brasília, BR, 2015) [in Portuguese].
Fotos: Prof. Manuel Haimovici. (Alto). Barco arrasteiro de camarão saindo de Rio Grande; (Centro esquerda) Cação ou raia viola, Rhinobathos horkelli, um exemplo de espécies que se reproduz nas 12 milhas, cuja pesca esta proibida desde 2005; (Centro direita) Pargo rosa, Pagrus pagrus, um exemplo de espécie sobreexplorada na região; (Baixo esquerda) Embarque no barco Espada (1978), conteúdo total capturado em um lance de arrasto; (Baixo direita) Camarão separado em cestos.